Superf&atilde; de Rei Kawakubo e da Comme des Gar&ccedil;ons, escritor Hector Bisi relata (numa cr&ocirc;nica que desafia conven&ccedil;&otilde;es) sua imers&atilde;o nos fant&aacute;sticos universos da loja e da exposi&ccedil;&atilde;o dedicadas &agrave; marca em NY.

Paris me d&aacute; vontade de beijar. Nova York, de ganhar dinheiro. Mas toda vez que chego em uma delas a primeira coisa que fa&ccedil;o &eacute; me jogar numa loja da Comme des Gar&ccedil;ons e seja o que my God ou mon Dieu quiserem. Em NY minha atra&ccedil;&atilde;o-perdi&ccedil;&atilde;o-tur&iacute;stica fica na rua 23 com a D&eacute;cima, uma townhouse toda pichada que ningu&eacute;m d&aacute; nada at&eacute; achar o t&uacute;nel branco da entrada e, Hi, How are you?, uma japonesa de 65?, 70 anos?, me recebe e n&atilde;o h&aacute; muita gente por l&aacute; al&eacute;m dos vendedores, s&oacute; mais duas japonesas que parecem jornalistas de moda e uma delas segura uma blusa com as m&atilde;os enquanto um fot&oacute;grafo, precisa dizer que &eacute; japon&ecirc;s?, clica, clica, clica e ent&atilde;o come&ccedil;o minha excurs&atilde;o pelos palet&oacute;s e casacos, desta vez mudei de roteiro, sempre come&ccedil;o pelos sapatos e t&ecirc;nis, e dou de cara com um palet&oacute;-saia piro pelo palet&oacute;-saia preciso ter o palet&oacute;-saia e vou para o provador e madame 65, 70 anos me acompanha, Yeah, I'm brazilian, um brazilian fan de Rei Kawakubo.
Rei esteve aqui ontem. Whaaat? E madame 65, 70 anos abre um pouco a sua boca japonesa e mostra um pouco dos seus dentes japoneses, Brasileiros est&atilde;o vindo cada vez mais aqui na loja, e a&iacute; pronto, tiro o celular do bolso e mostro uma foto do meu Instagram em que estou com um casaco verde-militar CdG Shirt que tem as costuras desfiadas e madame 65, 70 anos fala de primeira o ano da cole&ccedil;&atilde;o e eu me megablasterempolgo e mostro outra foto, agora do meu sapato CdG Homme Plus que s&oacute; usei umas tr&ecirc;s vezes porque prefiro ficar olhando pra ele ali, quietinho na sapateira de casa, Teu sapato n&atilde;o merece as ruas, um guitarrista amigo meu entendeu tudo, e madame 65, 70 anos acerta de novo, 2011, isso, 2011. Ficamos felizes em saber que temos um f&atilde; como voc&ecirc;.
Oh, bravo, essa pe&ccedil;a ficou perfeita. Sim, esse palet&oacute;-saia foi feito pra mim, madame 65, 70 anos. Saiba que Rei desenhou pessoalmente essa pe&ccedil;a. N&atilde;o me torture, n&atilde;o me torture, e ela diz que est&aacute; h&aacute; 31 anos na Comme des Gar&ccedil;ons e que n&atilde;o tem Insta e que eu sou louco, isso ela n&atilde;o disse mas deve ter pensado, porque eu continuava mostrando meu Insta e ela n&atilde;o tem Insta s&oacute; aquele sorriso japonista-futurista que combina com o mundo particular criado por uma mulher de 74 anos que talvez n&atilde;o tenha Insta, lan&ccedil;ou a marca em 1969 e esteve ontem na loja, Voc&ecirc; precisa ver a exposi&ccedil;&atilde;o de Rei no Met. Claro, &eacute; por isso que estou em Nova York. Diga a Rei que, que, diga alguma coisa, t&aacute;?, e quando j&aacute; tinha decidido deixar minhas cal&ccedil;as e levar o palet&oacute;-saia minha mulher Yanne traz um sobretudo cinza pra mim, metade do pre&ccedil;o do outro, N&atilde;o &eacute; uma pe&ccedil;a t&atilde;o exclusiva, my dear brazilian fan. Ah, madame 65, 70 anos, n&oacute;s ainda temos quinze dias pela frente para almo&ccedil;ar. Levo o sobretudo e prometo a Tomoko que vamos voltar.

Comme des New Yorkers

Estou no museu Metropolitan em um s&aacute;bado, dois dias depois da abertura oficial de &ldquo;Rei Kawakubo: Art of In-Between&rdquo; e um dia depois da grande chuva da manh&atilde; em Manhat&atilde;, sil&ecirc;ncio no ambiente por favor, diga l&aacute; cante l&aacute; Cazuza, minha trilha sonora de noites americanas, e os sonhos de Kawakubo substituem os sonhos de Kurosawa na minha cabe&ccedil;a pilhada e as salas est&atilde;o lotadas, pqp, me sinto como se a minha banda indie preferida tivesse virado uma empresa tipo Rolling Stones, e na exposi&ccedil;&atilde;o s&oacute; h&aacute; vestidos, vestidos?, cento e tantos looks do que quer que sejam aquelas estruturas volumosas, disformes, algumas com jeito de inacabadas, outras com um je ne sais quoi de Tim Burton ou dos parangol&eacute;s do Oiticica, quem veste isso?, Kawakubo n&atilde;o se importa, n&atilde;o quer vestir ningu&eacute;m, quer transformar a mulher em uma divindade para o bem ou para o mal, seguindo o mesmo princ&iacute;pio do d&acirc;ndi que nunca se admira, se deixa admirar.

Oscar Wilde usaria Comme des Gar&ccedil;ons, o cardeal Richelieu tamb&eacute;m, Belo Brummel, o maior de todos, inventaria um jeito diferente de usar. Mae West seria ainda mais m&aacute; em um vestido CdG mas Marilyn n&atilde;o seria Marilyn em um deles. Me sinto um sortudo de viver em tempos commedesgar&ccedil;onianos. N&atilde;o me interessa se o que vejo aqui &eacute; arte, moda ou viagem de &aacute;cido. Rei &Eacute; a tend&ecirc;ncia, a dona da porra toda. E como ningu&eacute;m mais tira foto quando viaja, produz conte&uacute;do, Yanne garante as nossas.

Na sa&iacute;da compro o livro da mostra, em que madame Kawakubo conta suas diverg&ecirc;ncias com o curador da sua retrospectiva e n&atilde;o, ela n&atilde;o queria fazer uma retrospectiva porque olha sempre pra frente e sim, ela teve que ceder, e o pop up supermarket Comme des Gar&ccedil;ons vende camisetas, vestidos b&aacute;sicos e perfumes para hordas de consumidores alucinados por um peda&ccedil;o do sonho nipo-americano, e agora &eacute; Jay-Z e Alicia Keys que me perturbam com &ldquo;Empire State of Mind&rdquo;, sorry Sinatra, agora s&atilde;o outros refr&otilde;es, outra New York, Concrete jungle where dreams are maaaade of, e at&eacute; dia 4 de setembro, &uacute;ltimo dia da exposi&ccedil;&atilde;o, Nova York tem Rei.

8.jpg

*Escritor, autor de &ldquo;Copacubana&rdquo; e comme des gar&ccedil;onsmaniac, Hector Bisi finaliza seu pr&oacute;ximo romance: &ldquo;O Belo Patrick e a Rua dos Garotos Maus&rdquo;. &nbsp;&nbsp;

Hector Bisi e sua imersão na Comme des Garçons

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