Desfiles de Nova York deram o start para os novos rumos da moda p&oacute;s-pandemia no pr&oacute;ximo ver&atilde;o, sem largar as m&atilde;os do que &eacute; seguro. Uma nova defini&ccedil;&atilde;o para os &ldquo;escapismos poss&iacute;veis&rdquo;

Quando Albert Camus escreveu sobre S&iacute;sifo, aplicando a antiga teoria do eterno retorno &agrave; imagem do mito <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/moda/dior-silk-aos-ventos-gregos-surrealistas">grego</a>, refletiu sobre a imagem do mortal que desafia os deuses e se v&ecirc; condenado a passar a eternidade rolando uma <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/joias/acessorios-pedras-preciosas-em-alta">pedra</a> montanha acima s&oacute; para v&ecirc;-la escapar de suas m&atilde;os e ter de come&ccedil;ar novamente. Em dado momento, o escritor faz provar que, apesar do absurdo da miss&atilde;o repetitiva, S&iacute;sifo &eacute; um s&iacute;mbolo de resili&ecirc;ncia e, a seu modo, carregado de felicidade por conseguir enfrentar o peso da pedra contra a dureza da montanha, adotando a criatividade na repeti&ccedil;&atilde;o. Ao contr&aacute;rio do planejado pelos deuses com o castigo, ele &eacute; dono do pr&oacute;prio destino.&nbsp;

As semanas de moda tamb&eacute;m t&ecirc;m seu lado de recorr&ecirc;ncia perp&eacute;tua &ndash; e, como S&iacute;sifo, seguem tentando. Especialmente agora, depois de tantas temporadas cheias de restri&ccedil;&otilde;es por conta das urg&ecirc;ncias pand&ecirc;micas, os desfiles ganham um gosto a mais de liberta&ccedil;&atilde;o. Por isso a NYFW, que abriu a temporada internacional de ver&atilde;o 2022, &eacute; t&atilde;o simb&oacute;lica. N&atilde;o s&oacute; por conta do retorno poss&iacute;vel &agrave;s apresenta&ccedil;&otilde;es presenciais, que deve se repetir em maior ou menor escala nas pr&oacute;ximas fashion weeks ao redor do mundo &ndash; possivelmente, inclusive no Brasil &ndash;, mas tamb&eacute;m por um esfor&ccedil;o deliberado de trazer de volta a Nova York estilistas americanos que desfilam em outras paragens, iniciativa que tenta reviver o combalido soft power do vestu&aacute;rio dos EUA

Um dos modistas &ldquo;reimportados&rdquo; &eacute; Tom Browne, que deixou de desfilar em Paris para armar espet&aacute;culo figurativo e atmosf&eacute;rico que reflete bem como a moda vem ruminando sobre esse mundo p&oacute;s-pandemia. Al&eacute;m de sua alfaiataria impec&aacute;vel, Browne contou a hist&oacute;ria de um casal de g&ecirc;nero difuso que, isolado em casa, sente um mix de pavor e saudade do que h&aacute; fora de seu jardim. &Eacute; essa busca de &ldquo;um lugar al&eacute;m do mundo externo&rdquo;, como o estilista definiu, que norteou boa parte das cole&ccedil;&otilde;es mais importantes de Nova York. Apesar de a cidade ter um retorno &agrave; realidade cotidiana ligeiramente controlado (ainda mais em compara&ccedil;&atilde;o com a brasileira), o risco das novas variantes, os gr&aacute;ficos de infectados e as campanhas antivacinas deixam essa normalidade um tanto quanto difusa &ndash; e isso se refletiu nas passarelas. Se o mundo l&aacute; fora n&atilde;o parece t&atilde;o bom, o que h&aacute; al&eacute;m dele?

Escapismos possíveis (Foto: Divulgação/ Tom Ford)

Essa n&eacute;voa sobre como ser&aacute; o ambiente daqui a um ano serviu para trazer os criadores mais perto do ch&atilde;o. Lembra as &uacute;ltimas temporadas, ainda digitais, quando muitas marcas investiram em superprodu&ccedil;&otilde;es on&iacute;ricas e surrealistas, apostando e sonhando que estar&iacute;amos (hoje) em um mundo j&aacute; liberto e libertino? Pois esse flop mostrou que a realidade &eacute; outra &ndash; e, ao botar os p&eacute;s nas ruas, viu-se que as coisas n&atilde;o mudariam t&atilde;o rapidamente. As crises amainaram, mas n&atilde;o desaparecer&atilde;o no m&eacute;dio prazo. E l&aacute; foi S&iacute;sifo, buscar a pedra novamente.

Podemos ler como um escapismo poss&iacute;vel, uma digress&atilde;o controlada, uma vontade de dar certa gra&ccedil;a na dura realidade. O mood &eacute; de roupas confort&aacute;veis, deixando os rigores da forma um pouco de lado

A moda para o ver&atilde;o 2022, segundo Nova York, &eacute; um mix de &ldquo;estamos livres&rdquo; com &ldquo;nem tanto, mas daremos um jeito de viver mesmo assim&rdquo;. Por isso, tanta gente baixou o tom de sua moda. Podemos ler como um escapismo poss&iacute;vel, uma digress&atilde;o controlada, uma vontade de dar certa gra&ccedil;a na dura realidade. O mood &eacute; de roupas confort&aacute;veis, deixando os rigores da forma um pouco de lado. Depois de tanto tempo presas em casa, as pessoas querem &eacute; liberdade de movimento e leveza sobre os ombros. O tanto de franjas, estampas florais, vichy rosa e tons de cores alegres s&atilde;o as provas f&iacute;sicas dessa busca id&iacute;lica.&nbsp;

N&atilde;o faltam exemplos, entre os lumiares do calend&aacute;rio, que se adaptaram a esse escoamento. A Rodarte, por exemplo, ressurgiu em vers&atilde;o amainada, cheia de vestidos prontos para montar uma seita de mulheres em um luau ao som do &uacute;ltimo disco da Lorde. A dupla da Proenza Schouler, olhando para o Hava&iacute;, desabalou a rigidez de suas silhuetas.

Escapismos possíveis

Tom Ford foi um dos raros que tentaram trazer um pouco mais de festa a essa nova vers&atilde;o de escapismo, no &uacute;ltimo show da temporada. &ldquo;Going with a bang&rdquo;, como eles dizem: prometendo uma reviravolta daqui a um ano, o veterano v&ecirc; festa nas ruas e prop&otilde;e joggings brilhantes e palet&oacute;s ultracoloridos, misturando b&aacute;sicos e paet&ecirc;s no tapete vermelho da padaria.

Outros se aterraram como puderam. Michael Kors se apossou do Central Park, s&iacute;mbolo m&aacute;ximo da liberdade upper class local, enquanto Wes Gordon, diretor criativo da Carolina Herrera, comemorou 40 anos da marca revivendo os arquivos com leveza. A uruguaia Gabriela Hearst, que tamb&eacute;m assina a Chlo&eacute;, se fortaleceu com presen&ccedil;as ind&iacute;genas em colabora&ccedil;&otilde;es criativas para sua label. Peter Do, comandando brilhante estreia na semana, falou sobre suas origens vietnamitas via trabalho de alfaiataria &ndash; e aproveitou para dar representatividade &agrave; massa de imigrantes orientais presente nos EUA, depois de tanta discuss&atilde;o recente por l&aacute; sobre preconceito racial contra essa comunidade. Em comum, cada um se conectou com suas bases e cuidou das ra&iacute;zes, como a experi&ecirc;ncia da quarentena mostrou ser essencial.

A ideia de empurrar um fardo morro acima repetitivamente pode n&atilde;o parecer agrad&aacute;vel, ainda mais sabendo que ele pode escapar a qualquer momento. Mas a moda j&aacute; soube resistir a tempos piores. Entre v&iacute;rus e novas ondas, ela vai dando um jeito de se reencaixar, ainda tentando entender para onde vai a est&eacute;tica dos cancelados anos 2020. O sonho acabou? N&atilde;o necessariamente. Ele s&oacute; parece ter se tornado um pouco mais&hellip; palp&aacute;vel.

Como a moda se adaptou ao novo cenário com "escapismos possíveis”

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