A bordo do Diana, Madagascar nos apresenta horizontes de tartarugas centen&aacute;rias, &aacute;rvores gigantes e pessoas de cora&ccedil;&atilde;o aberto

A olho nu, pelas lentes das c&acirc;meras, concentrandose nas miras dos bin&oacute;culos e, sobretudo, sentindo a brisa bater no rosto e os p&eacute;s pisarem na areia, descobri horizontes de tartarugas centen&aacute;rias, &aacute;rvores gigantes e pessoas de cora&ccedil;&atilde;o aberto. A vida que ainda n&atilde;o conhecemos pode ser extraordin&aacute;ria, &eacute; s&oacute; seguir navegando. Confira!

A bordo do Diana, em uma aventura extraordin&aacute;ria, naveguei por Socotra, no I&ecirc;mem; Bijoutier, Astove, Cosmoledo e Aldabra, nas Seychelles; Zanzibar e Pemba, na Tanz&acirc;nia; Lamu, no Qu&ecirc;nia; Assumption Island, novamente nas Seychelles; e Nosy Komba, Morondava e Toliara, em Madagascar.
A embarca&ccedil;&atilde;o &eacute; uma atra&ccedil;&atilde;o &agrave; parte: dono de uma estrutura robusta de 12,1 toneladas, distribu&iacute;das em 125 metros de comprimento e 23 metros de largura, o SH Diana, o novo navio de expedi&ccedil;&atilde;o cultural da frota da Swan Hellenic, &eacute; capaz de acomodar 192 h&oacute;spedes, al&eacute;m da equipe de 141 pessoas e foi especialmente projetado para explorar os lugares mais inspiradores e inacess&iacute;veis do planeta. Mesmo sendo um pouco menor do que os modelos tradicionais de cruzeiro, possui equipamentos de navega&ccedil;&atilde;o de ponta, casco refor&ccedil;ado contra gelo, grandes estabilizadores e dois barcos fechados do tipo tender que se somam aos 15 botes zod&iacute;acos, dispon&iacute;veis para transportar os convidados at&eacute; a costa ou por atividades diversas, caso do mergulho. Assim como o SH Vega e o SH Minerva, que cruzam pelos fiordes chilenos, pelas geleiras e icebergs do Atl&acirc;ntico Sul, pelo sudoeste da &Aacute;frica e pelos encantos do Caribe, a nau j&aacute; oferece itiner&aacute;rios diversos, do Uruguai a Portugal, Isl&acirc;ndia e Estados Unidos.

Patrim&ocirc;nio Mundial da UNESCO, a ilha de Socotra, no I&ecirc;men, localizada a 250 quil&ocirc;metros da costa da &Aacute;frica, entre o mar Ar&aacute;bico e o Oceano &Iacute;ndico, foi meu ponto de partida. Primeiro navio de expedi&ccedil;&atilde;o a aportar no territ&oacute;rio, o SH Diana teve uma recep&ccedil;&atilde;o calorosa com m&uacute;sica e dan&ccedil;a &ndash; vale mencionar que essa festa se repetiu em todos os portos dessa trip. Assim que desembarquei, nosso grupo se dirigiu a uma escola da comunidade pr&oacute;xima &agrave; capital, Hadibo, para distribuir material escolar e itens de primeira necessidade doados pelos passageiros. Dirigimos por aproximadamente tr&ecirc;s horas at&eacute; Dixon Valley, localizado a quase mil metros acima do mar, e me instalei no acampamento onde passaria a noite. Minha pequena barraca j&aacute; estava montada sobre um plat&ocirc;, toda arrumada pela equipe da Swan Hellenic com colch&otilde;es forrados por len&ccedil;&oacute;is e toalhas dobradas em forma de cisne, s&iacute;mbolo da companhia. Sobre os travesseiros, tal qual havia em minha cabine, os chocolates se traduziram como mimos a mais. Em uma longa mesa comunit&aacute;ria, embalada por hist&oacute;rias, lendas e curiosidades transmitidas pelo meu guia, jantei p&atilde;es artesanais, batatas, arroz, carne de cabra e frutas. A noite foi tranquila sob milh&otilde;es de estrelas.

&Agrave;s 4 horas da manh&atilde; acordei com o sinal sonoro que convoca os mu&ccedil;ulmanos para a primeira das cinco ora&ccedil;&otilde;es di&aacute;rias, chamadas de Salah. Cora&ccedil;&atilde;o a mil, sa&iacute; da tenda quando estava ainda escuro e &agrave; medida que o nevoeiro descia o contorno da vegeta&ccedil;&atilde;o era revelado. Curiosa para conhecer a enigm&aacute;tica dragon blood tree, a &aacute;rvore sangue de drag&atilde;o, e sua figura &uacute;nica que mais parece um &ldquo;guarda-chuva de ponta-cabe&ccedil;a&rdquo;, deixei o acampamento enquanto os outros ainda despertavam e fui explorar o local. Essa refer&ecirc;ncia sobre o formato das dragon blood se d&aacute; pelo papel que elas exercem no ambiente, conduzindo a &aacute;gua do solo para as folhas e retirando &aacute;gua do ar para umedecer a terra, em um processo resumido como captura inversa de precipita&ccedil;&atilde;o. End&ecirc;micas, isto &eacute;, restritas a uma &aacute;rea geogr&aacute;fica espec&iacute;fica, elas brotam bel&iacute;ssimas com seus troncos grossos e galhos retorcidos, alimentados por tecidos condutores que levam a seiva de cor vermelha pelo sistema vascular da planta. Da&iacute; o nome &ldquo;sangue de drag&atilde;o&rdquo;.&nbsp;

Assim que me aproximei da primeira &aacute;rvore, ainda boquiaberta com o que via, fui abordada por Naiwa, uma garota t&iacute;mida e decidida que me acompanhou por quase uma hora. Como n&atilde;o encontramos um idioma em comum conversamos por gestos e sorrisos. Aqui e ali ela tentava explicar as coisas importantes daquela trilha e, em determinado momento, j&aacute; com la&ccedil;os de amizade estabelecidos, me encarou por alguns instantes, passou a m&atilde;o em meu rosto, caminhou at&eacute; uma &aacute;rvore que se destacava dentre as demais e escalou o tronco at&eacute; quase a copa. Com a m&atilde;o raspou um pouco da casca, desceu e macetou a subst&acirc;ncia em uma pedra. Da&iacute; misturou com &aacute;gua e passou a pasta vermelha em meu rosto para proteg&ecirc;-lo do sol. Algum tempo tinha passado e eu precisava voltar para o desjejum com o restante do grupo. Naiwa, que continuava o caminho ao meu lado, perguntou se eu sentia fome, puxou a minha m&atilde;o e me levou at&eacute; a sua casa. Sua m&atilde;e e seus irm&atilde;os ofereceram t&acirc;maras, caf&eacute;, leite tirado h&aacute; pouco das cabras que estavam no quintal e nos sentamos no ch&atilde;o de terra batida para comer. Mais tarde, a poucos passos do acampamento, conferi a estrutura do ber&ccedil;&aacute;rio das plantas, que se estende por um viveiro e um santu&aacute;rio, onde as mudas ficam protegidas do apetite das cabras e dos efeitos da crise clim&aacute;tica.

PATRIM&Ocirc;NIO Mundial DA UNESCO, A ilha de Socotra, NO I&ecirc;men, LOCALIZADA A 250 QUIL&Ocirc;METROS DA COSTA DA &Aacute;FRICA ENTRE O MAR Ar&aacute;bico E O OCEANO &Iacute;ndico, FOI MEU ponto de partida.

Ao longo das duas horas do passeio fiz outra amiga, Murina, uma menina charmosa de olhos brilhantes que estava de vestido e bolsa verde a tiracolo. De m&atilde;os dadas comigo, ela sorria e prestava aten&ccedil;&atilde;o em todos os meus gestos, muitas vezes repetindo o que eu fazia. A coisa toda sobre Socotra, uma impress&atilde;o mantida mesmo ap&oacute;s a partida, se deu na delicadeza com que fui acolhida, de cora&ccedil;&atilde;o aberto, sem resist&ecirc;ncia, s&oacute; com amor; &eacute; nesse cuidado que reside o maior patrim&ocirc;nio dos iemenitas. Em meu compromisso derradeiro nadei em uma das praias intocadas mais maravilhosas que j&aacute; conheci, Qalansiyah Beach, serena, m&aacute;gica, de &aacute;guas de matizes turquesa que pareciam trocar de cor ao se aproximarem da orla, misturando-se em uma coisa s&oacute; com a areia branca cercada por montanhas. Sem conseguir tirar os olhos daquelas ondas de balan&ccedil;os pl&aacute;cidos enquanto saboreava peixes e caranguejos enormes, protegida pela barraca de madeira forrada com palha, tive a impress&atilde;o de que, enfim, tinha alcan&ccedil;ado o lugar mais bonito do universo.&nbsp;

Vendo o que os outros n&atilde;o veem

Formado por um arquip&eacute;lago de 115 ilhas, as Seychelles oferecem uma s&eacute;rie de atividades ligadas &agrave; natureza. Em Bijoutier, um pontinho min&uacute;sculo no meio do Oceano &Iacute;ndico, por exemplo, a agenda da tarde se resumia a relaxar na praia, refrescando-se com drinques e apreciando as belezas dessa faixa de &aacute;gua esverdeada. Falando nisso, em todas shore excursions, as excurs&otilde;es em terra, e naquelas em que os zod&iacute;acos serviam como base, estive na companhia de bi&oacute;logos e naturalistas e obtive deles informa&ccedil;&otilde;es preciosas sobre a vida marinha, hist&oacute;ria e geografia da regi&atilde;o explorada. Para a minha jornada em Aldabra, o segundo maior atol de corais do mundo, onde o esplendor das tartarugas gigantes remete a Gal&aacute;pagos, fui convidada para um bate-papo introdut&oacute;rio com naturalistas e especialistas na &aacute;rea, que abordaram a capacidade de sobreviv&ecirc;ncia desses animais; o impacto da interfer&ecirc;ncia humana em seu h&aacute;bitat; a quase extin&ccedil;&atilde;o e o longo caminho de recupera&ccedil;&atilde;o &ndash; nos dias de hoje, a popula&ccedil;&atilde;o dos quel&ocirc;nios que vivem em Aldabra ultrapassa os mais de 100 mil indiv&iacute;duos.

Essas palestras que antecediam as expedi&ccedil;&otilde;es eram ministradas no sal&atilde;o de observa&ccedil;&atilde;o, decorado em linhas escandinavas e sua paleta de cores neutras. O conforto que as pessoas sentiam de estarem ali fez com que o bar se tornasse o ponto de encontro dos h&oacute;spedes, na maioria das vezes antes ou depois do jantar, com o piano oferecendo boas sele&ccedil;&otilde;es de m&uacute;sica. Meu pr&eacute;-Aldabra incluiu ainda uma apresenta&ccedil;&atilde;o obrigat&oacute;ria sobre biosseguran&ccedil;a com membros da Seychelles Islands Foundation (SIF), a organiza&ccedil;&atilde;o sem fins lucrativos que &eacute; respons&aacute;vel pela admi - nistra&ccedil;&atilde;o e prote&ccedil;&atilde;o dos Patrim&ocirc;nios Mundiais da UNESCO no entorno. Com foco na conserva&ccedil;&atilde;o, mas tamb&eacute;m na educa&ccedil;&atilde;o e no turismo praticados de forma equilibrada e sustent&aacute;vel, a entidade forneceu as orienta&ccedil;&otilde;es necess&aacute;rias para minha visita. Antes de partir para l&aacute;, para se ter uma ideia, todos levaram o que usariam ao ar livre &ndash; de equipamentos fotogr&aacute;ficos a bolsas e sapatos &ndash; para higieniza&ccedil;&atilde;o, al&eacute;m de assinar um termo de responsabilidade concordando com as diretrizes da SI.

Um dos maiores at&oacute;is de corais elevados do mundo, com 155 quil&ocirc;metros quadrados de &aacute;rea terrestre, Aldabra &eacute; composto por quatro &iacute;nsulas principais e uma lagoa central que recebe milh&otilde;es de toneladas de &aacute;gua do oceano duas vezes por dia. Como lembra a SIF, a maior ilha habitada de Seychelles, Mah&eacute;, caberia nesta grande &ldquo;piscina&rdquo; azul-clara que pude ver de perto durante o mergulho com snorkel. Em raz&atilde;o de suas condi&ccedil;&otilde;es &uacute;nicas, a contar a escassez de &aacute;gua doce, esse ponto do planeta n&atilde;o foi ocupado por muitas civiliza&ccedil;&otilde;es, garantindo de alguma maneira a preserva&ccedil;&atilde;o da flora e da fauna. O acesso &eacute; rigorosamente controlado nos tempos atuais, limitando-se a menos de mil turistas por ano. Apenas 12 pessoas, entre pesquisadores, bi&oacute;logos e cientistas, residem no local. Sentindo-me privilegiada de estar naquele tesouro da natureza, que recebeu Charles Darwin e Jacques Cousteau, quis absorver cada detalhe. Um pouco antes de ancorar por l&aacute;, havia chovido, e as tartarugas, escondidas entre os arbustos, sa&iacute;ram para beber a &aacute;gua das po&ccedil;as formadas nas trilhas onde eu caminhava.&nbsp;

Respeitando a dist&acirc;ncia indicada, pude observar a movimenta&ccedil;&atilde;o desses gigantes delicados que podem viver mais de um s&eacute;culo, pesar 300 quilos e cujas carapa&ccedil;as atingem medidas impressionantes &ndash; as delas chegam a 1,2 metro de comprimento, enquanto a deles alcan&ccedil;am 1,5 metro. Em Aldabra e seus terrenos de calc&aacute;rio, residem milhares de aves, passando por fragatas, trilhos, tarambolas e p&aacute;ssaros tropicais, e popula&ccedil;&otilde;es de tartarugas-verdes e de tartarugas gigantes. Os dugongos, parentes dos peixes-boi, est&atilde;o em um grupo bem menor, contando-se 14 deles, segundo registrou a funda&ccedil;&atilde;o em levantamento recente, v&iacute;timas, sobretudo, da ca&ccedil;a predat&oacute;ria.

Fosse nas visitas em terra &ndash; como se deu quando em Bijoutier, admirada pela areia branca das praias pude somente relaxar, em Astove, onde mergulhei acompanhada por tartarugas, e no Atol de Cosmoledo, escolhido pela expedi&ccedil;&atilde;o para observa&ccedil;&atilde;o de aves que povoam o local a bordo dos Zodiacos, em um Sunrise Cruise, uma proposta idealizada para acompanhar a despedida da lua, o nascer do sol e a migra&ccedil;&atilde;o dos p&aacute;ssaros, a programa&ccedil;&atilde;o da Swan Hellenic me colocava em movimento o tempo inteiro. Minha praia preferida nessa sele&ccedil;&atilde;o esteve, sem d&uacute;vida, na desconhecida Assumption Island, uma pequena ilha banhada por &aacute;guas turquesas, abra&ccedil;adas por uma delicada malha de areia fina e branca. Por l&aacute; deixei o tempo passar, tomando sol, caminhando e mergulhando, vislumbrada com sua beleza escondida, entre peixes e tubar&otilde;es que nadavam calmamente pr&oacute;ximos da margem.

Mar azul

Um dos lados interessantes de uma viagem de expedi&ccedil;&atilde;o, em que se visita diversos lugares, &eacute; que quando volt&aacute;vamos para o navio havia aquela sensa&ccedil;&atilde;o reconfortante de estar em casa, sem o abrir e o fechar de malas, por vezes, exaustivo. A cada retorno era recepcionada com largos sorrisos e drinques de boas-vindas. Meus dias em alto-mar tinham uma rotina &ndash; eu reservava alguns minutos para a sauna e em seguida relaxava no ofur&ocirc;, de olho no espet&aacute;culo do p&ocirc;r do sol e nas cores que surgiam nesses instantes. Enquanto a embarca&ccedil;&atilde;o se deslocava, cada h&oacute;spede ocupava o tempo &agrave; sua maneira. Uns aproveitavam para assistir os workshops, outros ficavam nos decks de observa&ccedil;&atilde;o, nos bares ou na piscina em conversas animadas. Parte, claro, preferia ler nas espregui&ccedil;adeiras, descansar um pouco ou trabalhar. &Eacute; preciso mencionar que era realmente dif&iacute;cil deixar o quarto, dono de um layout espa&ccedil;oso composto por quarto, walk-in closet, sala de estar com lareira e banheiro com banheira. &Agrave; noite, com as luzes apagadas, as cortinas abertas e o barulho do mar batendo no casco era f&aacute;cil dormir na companhia das estrelas.

A varanda trazia um cen&aacute;rio diferente em cada manh&atilde;, passando por ilhas perdidas no meio do nada, empilhadeiras e navios atracados nas docas e o bate-papo entre os pescadores e os vendedores que rodeavam minha embarca&ccedil;&atilde;o com suas canoas coloridas repletas de mercadorias. Em uma dessas oportunidades, aproveitando o caf&eacute; quentinho trazido minutos antes, pude registrar as belezas do cais de Zanzibar, o c&eacute;lebre arquip&eacute;lago do litoral da Tanz&acirc;nia, com seu vaiv&eacute;m de gente e seu colorido t&iacute;pico de uma esta&ccedil;&atilde;o portu&aacute;ria. Constitu&iacute;da de duas ilhas, Unguja e Pemba, e algumas ilhotas, essa regi&atilde;o da costa africana, denominada outrora de &ldquo;terra das especiarias&rdquo;, &eacute; assinalada pela influ&ecirc;ncia dos povos que aportaram ali, dos &aacute;rabes aos hindus e europeus, encontrada na arquitetura, na gastronomia e na economia. O trecho de Zanzibar que conheci, a Stone Town, ou Cidade de Pedra, mostrou o lado hist&oacute;rico desse mercado de frutas tropicais e de temperos mo&iacute;dos na hora. Adiante, pr&oacute;ximas da igreja Anglicana constru&iacute;da em 1874 pelo bispo Edward Steere, pude notar as ru&iacute;nas do Slave Market, um dos mercados que funcionou no continente onde as pessoas raptadas do interior da &Aacute;frica eram vendidas para serem escravizadas em outros lugares do mundo.

Naquela tarde ainda passei pelo cruzamento tradicional da Jaws Corner, repleto de grupos de homens tomando caf&eacute;; pelas alamedas do Forodhani Gardens, jardim ornamental cultivado na d&eacute;cada de 1930 e repaginado recentemente; pelo Freddie Mercury Museum, em homenagem ao cantor zanzibarita, l&iacute;der da banda Queen; pelo Old Fort, constru&ccedil;&atilde;o de linhas &aacute;rabes do s&eacute;culo 17. Eu me despedi da Tanz&acirc;nia em uma r&aacute;pida incurs&atilde;o por Pemba, lar dos pteropus voeltzkowi, uma das maiores esp&eacute;cies de morcegos frug&iacute;voros (que se alimentam de frutos) j&aacute; catalogadas pela ci&ecirc;ncia, com asas que alcan&ccedil;am mais de 1,5 metro de envergadura. Chamados de raposas voadoras por causa de sua pelagem cor de laranja, esses animais est&atilde;o presentes em grande quantidade no Kidike Flying Fox Sanctuary, alcan&ccedil;ando aproximadamente 4 mil indiv&iacute;duos. Cheia de impress&otilde;es para compartilhar, me reuni com meu grupo para o jantar no Swan Restaurant, com um card&aacute;pio estrelado &agrave; la carte variado e saboroso, pensado passo a passo pelos chefs da Jeunes Restaurateurs (JRE). A organiza&ccedil;&atilde;o, que re&uacute;ne alguns dos melhores cozinheiros do setor, assumiu a parceria com a Swan Hellenic para desenvolver o projeto Maris em seus navios, tendo como objetivo proporcionar uma experi&ecirc;ncia gastron&ocirc;mica cultural &uacute;nica, com pratos inspirados nas tradi&ccedil;&otilde;es culin&aacute;rias dos distritos visitados.

Com um tecido arquitet&ocirc;nico costurado entre vias ocupadas por mais de 6 mil burros que transportam todo tipo de coisas, pequenas edifica&ccedil;&otilde;es e pr&eacute;dios hist&oacute;ricos, a Cidade Velha de Lamu, no Qu&ecirc;nia, ainda guarda v&aacute;rios endere&ccedil;os que fazem do circuito tur&iacute;stico um programa interessante, caso do German Post Office, a sede dos correios mantida pelos alem&atilde;es entre 1888 e 1891, do Lamu Museum e suas cole&ccedil;&otilde;es etnogr&aacute;ficas do povo sua&iacute;li, passando por roupas, amuletos, m&oacute;veis e instrumentos musicais, e do Lamu Fort, que no decorrer do tempo serviu como base estrat&eacute;gica para a defesa do litoral e posteriormente como pris&atilde;o. J&aacute; de partida para Madagascar, fiz novamente uma parada na ilha Assumption, cuja costa exibe uma praia de areia macia de 5,5 quil&ocirc;metros de extens&atilde;o. Descansei em um banho de mar de &aacute;guas quase transparentes e aproveitei a tarde ponderando sobre o que veria depois do horizonte. Uma coisa que eu adorava na minha rotina a bordo era dormir cedo para aproveitar a academia superequipada quase no raiar do dia, muitas vezes pedalando ou correndo na esteira, sempre com a minha c&acirc;mera ao lado. Com ela registrei bel&iacute;ssimas revoadas de gaivotas, grupos de baleias e de golfinhos que circundavam o navio, e barcos e cargueiros coloridos que enfeitavam o horizonte.

A gin&aacute;stica &eacute; &oacute;tima companhia, diria at&eacute; que uma parceira indispens&aacute;vel, para manter-se em forma e aproveitar sem culpa esse cotidiano de atividades e dos sabores que experimentamos em uma refei&ccedil;&atilde;o seguida de outra. Ao lado dos jantares exclusivos do restaurante e do caf&eacute; da manh&atilde; no quarto andar, o almo&ccedil;o era servido no buf&ecirc; do s&eacute;timo andar, adjacente &agrave; piscina. Como estava em uma rota de endere&ccedil;os ensolarados, a churrasqueira funcionava a todo instante e havia carnes, peixes e legumes grelhados; hamb&uacute;rgueres e lanches variados; compondo um repert&oacute;rio descontra&iacute;do e imperd&iacute;vel de receitas. Muita dessa qualidade vinha dos vendedores que se aproximavam do navio em canoas, trazendo frutas frescas e alimentos pescados na hora, e das feiras livres montadas nas imedia&ccedil;&otilde;es dos portos, j&aacute; conhecidas da tripula&ccedil;&atilde;o. Para aqueles que preferiam os doces, os ch&aacute;s da tarde continham caf&eacute;s, infus&otilde;es, sucos, panquecas com doce de leite, waffles, churros, tortas e frutas. E &agrave; noite, na cabine, me deparava com pratos com minibolos e nozes ou confeitos de chocolate. Era imposs&iacute;vel resistir.

Esse com&eacute;rcio flutuante de produtos regionais e de artesanato tamb&eacute;m foi visto em minha chegada em Nosy Komba, ilha que fica na costa noroeste de Madagascar, procurada por suas forma&ccedil;&otilde;es rochosas de granito e de ard&oacute;sia, vegeta&ccedil;&atilde;o tropical pujante e um n&uacute;mero significativo de l&ecirc;mures. Iniciei o tour pela floresta onde vivem v&aacute;rios conjuntos desses primatas de olhos grandes, focinhos proeminentes e pelagens macias, divididos em fam&iacute;lias lideradas pelas f&ecirc;meas. Sagrados para os malgaxes, eles est&atilde;o em todos os lugares e costumam surpreender os turistas quando aproximam-se. Conta a hist&oacute;ria que seus ancestrais vagaram pela &Aacute;frica junto dos dinossauros h&aacute; milh&otilde;es de anos e que a adapta&ccedil;&atilde;o aos ambientes dessa, e das ilhas pr&oacute;ximas, se deu pela habilidade de deslocamento entre os galhos mais altos das &aacute;rvores, longe dos predadores, em saltos surpreendentes alavancados por suas caudas longas.

Se antes a popula&ccedil;&atilde;o de Nosy Komba se concentrava nas montanhas, vivendo da agricultura, o aumento do n&uacute;mero de excurs&otilde;es que passava pelo litoral fez esses habitantes formarem vilarejos pr&oacute;ximos da orla e criarem pequenas feiras para vender toalhas coloridas de mesa com bordados Richelieu &ndash; cujo nome foi dado em homenagem &agrave; Armand Jean du Plessis, o cardealduque de Richelieu, conselheiro e primeiro-ministro do rei franc&ecirc;s Lu&iacute;s XIII, f&atilde; declarado desse tipo de costura &ndash;, objetos de cestaria, pinturas, colares de sementes, ervas, &oacute;leos e materiais confeccionados na hora. Nos &uacute;ltimos anos parte desses cidad&atilde;os voltou para o trabalho no campo, tendo o plantio da baunilha como principal atividade econ&ocirc;mica. Sentada na praia &agrave; espera dos zod&iacute;acos para retornar ao SH Diana duas meninas locais se aproximaram e desenharam flores em meu rosto com a pasta Masonjaoni. As tintas, como se deu em Socotra, eram processadas com um p&oacute; retirado das cascas das &aacute;rvores e serviam para proteger do sol e para afastar os insetos.

Os baob&aacute;s que crescem no continente africano t&ecirc;m copas gigantes e troncos que passam dos 30 metros de altura e 7 metros de largura. Das oito esp&eacute;cies identificadas, seis est&atilde;o nos limites malgaxes, uma &eacute; encontrada em &aacute;rea subsaariana e apenas uma delas nasce em outro pa&iacute;s. Naveguei em um mar de &aacute;guas esverdeadas e atraquei na comunidade de Bet&acirc;nia, de casas feitas de barro e folhas de Satrana. De l&aacute;, estiquei at&eacute; Morondava, no oeste de Madagascar, e fiz uma parada em uma estrada de terra vermelha cercada por fileiras dessas &aacute;rvores visualmente desconcertantes, que parecem resistir em um cen&aacute;rio est&eacute;ril de natureza devastada. De acordo com meu guia, ao redor dessa avenida de baob&aacute;s existiu uma mata imensa que foi sendo derrubada para dar lugar ao cultivo de alimentos e &agrave; extra&ccedil;&atilde;o da madeira como fonte de energia. Saudadas pelos nativos como &ldquo;m&atilde;e da floresta&rdquo;, algumas dessas unidades t&ecirc;m mais de 2.800 anos, s&atilde;o capazes de guardar at&eacute; 100 mil litros de &aacute;gua, as folhas brotam por per&iacute;odos curtos para desperdi&ccedil;ar o m&iacute;nimo de nutrientes e os frutos de sabor agridoce servem de fonte de c&aacute;lcio e vitamina C. Mesmo as sementes podem ser consumidas torradas ou em p&oacute;.

OS baob&aacute;s QUE CRESCEM NO CONTINENTE AFRICANO T&Ecirc;M copas GIGANTES E troncos QUE PASSAM DOS 30 METROS E 7 METROS DE LARGURA.

Ao redor das fogueiras conta-se que, quando o mundo foi criado, cada animal recebeu um tipo de &aacute;rvore. As hienas, que n&atilde;o gostaram dos baob&aacute;s e quiseram expressar tamanho descontentamento, resolveram replant&aacute;-los de cabe&ccedil;a para baixo, com as ra&iacute;zes para cima. Distante das lendas, os animais costumam procur&aacute;-los como alimento e abrigo, dos p&aacute;ssaros aos morcegos, babu&iacute;nos, elefantes e cobras. Para as comunidades, os recursos desses gigantes incluem o uso das fibras das cascas para a constru&ccedil;&atilde;o de cestos e esteiras e do &oacute;leo das sementes para cosm&eacute;ticos naturais. Minha excurs&atilde;o n&atilde;o poderia acabar sem ver a ensolarada Toliara, no sul de Madagascar, casa do The Arboretum of Antsokay, uma reserva de cerca de 50 hectares idealizada pelo bot&acirc;nico su&iacute;&ccedil;o Hermann Petignat para salvaguardar os elementos da fauna e da flora da ilha. Atualmente h&aacute; mais de 900 tipos de animais e de plantas registrados no complexo. Aproveitei o tour para visitar o Reniala Spiny Forest, um santu&aacute;rio de 45 hectares gerido pela comunidade que re&uacute;ne alguns dos baob&aacute;s mais antigos de Madagascar, ao lado de 2 mil plantas do ecossistema local e de p&aacute;ssaros, mam&iacute;feros, r&eacute;pteis raros, artr&oacute;podes e outros indiv&iacute;duos resgatados de ca&ccedil;adores e traficantes. L&aacute; eles recebem os tratamentos necess&aacute;rios e passam por um longo per&iacute;odo de adapta&ccedil;&atilde;o para serem reintegrados aos seus h&aacute;bitats. Em um passeio feito para celebrar a pot&ecirc;ncia da Terra, &eacute; uma boa not&iacute;cia saber que h&aacute; muita gente determinada a colaborar para esse mundo de possibilidades, espetacularmente lindo.

Madagascar: uma aventura extraordinária navegando a bordo do Diana

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