Em 47 anos de carreira, Gloria Coelho criou um universo criativo particular recheado de itens atemporais. Para a nova cole&ccedil;&atilde;o, ela refor&ccedil;a a preocupa&ccedil;&atilde;o com o meio ambiente com uma dose de atitude punk&nbsp;

A tarde de sexta-feira estava apenas come&ccedil;ando quando cheguei ao QG de <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/fashion-week/gloria-coelho-apresenta-colecao-de-verao-2021-na-sao-paulo-fashion-week">Gloria Coelho</a>, no in&iacute;cio de outubro. Logo na entrada, fui informada sobre os protocolos de seguran&ccedil;a sanit&aacute;ria e que a estilista estava a minha espera em sua sala de cria&ccedil;&atilde;o, no segundo andar do pr&eacute;dio com est&eacute;tica industrial, no bairro de Pinheiros, em <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/cultura/ema-klabin-em-exposicao-de-moda-em-sp">S&atilde;o Paulo</a>. Para chegar at&eacute; l&aacute;, &eacute; preciso passar pelo showroom e pelo ateli&ecirc;, com modelistas e costureiros em a&ccedil;&atilde;o no que ela considera ser um verdadeiro laborat&oacute;rio. Naquele dia, um manequim portando um vestido longo do acervo estava sobre uma grande mesa, j&aacute; dando uma pista sobre o tom da conversa entusiasmada que rolaria nas pr&oacute;ximas duas horas. Encontro com Gloria finalizando uma reuni&atilde;o com seu assistente sobre detalhes dos looks para a S&atilde;o Paulo Fashion Week.
A cole&ccedil;&atilde;o olha para o passado da marca e utiliza basicamente materiais que j&aacute; estavam no estoque, refletindo a preocupa&ccedil;&atilde;o com o meio ambiente que h&aacute; tempos j&aacute; estava presente no trabalho da estilista e que, agora, sustenta um dos pilares que ela quer fortalecer cada vez mais. Suas antenas est&atilde;o sempre apontadas para o futuro, e o que elas captam acabam, impreterivelmente, virando shapes, detalhes e trabalhos manuais que resultam em pe&ccedil;as atemporais. Agora, est&atilde;o em seu radar alertas ambientais que n&atilde;o podem mais ser ignorados. &ldquo;Ainda h&aacute; tempo para salvarmos nosso planeta; por&eacute;m, cada um precisa fazer sua parte&rdquo;, explica, citando o document&aacute;rio Rompendo Barreiras: A Ci&ecirc;ncia do Nosso Planeta, com o renomado cientista sueco Johan Rockstr&ouml;m e o naturalista brit&acirc;nico David Attenborough.
&Eacute; um dos v&aacute;rios que integram a extensa lista de filmes que anda devorando. Outro &eacute; Cruella, mistura de atitude punk e upcycling a que ela assistiu v&aacute;rias vezes. Ambos integram o rol de inspira&ccedil;&otilde;es para a nova cole&ccedil;&atilde;o. Quem acompanha a estilista sabe que seus processos criativos sempre s&atilde;o o resultado de uma combina&ccedil;&atilde;o bastante ecl&eacute;tica de refer&ecirc;ncias que, no fim, fazem todo o sentido. Tamb&eacute;m est&atilde;o em seu radar elementos vindos dos esportes e das ruas, uma atmosfera de anos que vai de 1970 a 1990, alfaiataria e metais, grunge e on&ccedil;a-pintada, felino que j&aacute; habitou a faixa entre o M&eacute;xico e a Argentina e que, no ano passado, foi duramente afetado pelo inc&ecirc;ndio no Pantanal. &ldquo;Misturando tudo, estamos criando um novo ano de 2022&rdquo;, diz Gloria, que resume esse conjunto em torno de Coexistir, o nome que escolheu para batizar seu pr&oacute;ximo inverno.

&ldquo;O planeta est&aacute; precisando de respeito e reflex&atilde;o. Precisamos respeitar todas as criaturas e aprender a usar nossos recursos de maneira diferente, sem agress&atilde;o, de uma maneira verdadeiramente sustent&aacute;vel para deixarmos para as futuras gera&ccedil;&otilde;es um mundo agrad&aacute;vel e gentil. Eu estou aprendendo&rdquo;, diz ela, mostrando em um imenso mood board os looks resultantes de seu processo de introspec&ccedil;&atilde;o e processamento das informa&ccedil;&otilde;es que foi captando nos &uacute;ltimos meses. H&aacute;, ainda, 14 pe&ccedil;as desenvolvidas em parceria com a jornalista e amiga Lilian Pacce, que tamb&eacute;m estar&atilde;o no filme que Gloria prepara para a semana de moda paulista.
Outro aprendizado vindo da pandemia modificou seu dia a dia. Apesar de n&atilde;o abrir m&atilde;o das idas di&aacute;rias &agrave; f&aacute;brica, conta que descobriu serem dispens&aacute;veis as longas jornadas. &ldquo;Tudo funciona a dist&acirc;ncia, com a ajuda da tecnologia&rdquo;, diz ela, que se vale das videoconfer&ecirc;ncias para se reunir virtualmente com o filho, Pedro, que, atualmente, mora em Londres, e o ex-marido, Reinaldo Louren&ccedil;o. &ldquo;Nesses encontros, a gente fala de tudo, menos dos trabalhos que cada um de n&oacute;s est&aacute; desenvolvendo&rdquo;, confessa, refor&ccedil;ando a &ldquo;t&aacute;tica&rdquo; que virou regra na fam&iacute;lia em que os tr&ecirc;s integrantes s&atilde;o estilistas. Metodologias, ali&aacute;s, s&atilde;o algo que Gloria aprendeu a incorporar ao longo de 47 anos de carreira, iniciada quando ela e a irm&atilde;, Gra&ccedil;a Amazonas, abriram uma pequena confec&ccedil;&atilde;o com a ajuda dos pais, batizada de G. O foco eram pe&ccedil;as essenciais feitas de &oacute;timos tecidos e acabamentos, corte e modelagem impec&aacute;veis.

&ldquo;O PLANETA EST&Aacute; PRECISANDO DE respeito e reflex&atilde;o. PRECISAMOS RESPEITAR TODAS AS CRIATURAS E aprender A USAR NOSSOS RECURSOS DE MANEIRA DIFERENTE, SEM AGRESS&Atilde;O, DE UMA MANEIRA verdadeiramente SUSTENT&Aacute;VEL PARA DEIXARMOS PARA AS FUTURAS GERA&Ccedil;&Otilde;ES UM mundo agrad&aacute;vel e gentil. EU ESTOU APRENDENDO.&rdquo; GL&Oacute;RIA COELHO

Naqueles anos 1970, a Rhodia estava empenhada em promover a moda brasileira, o processo criativo e a forma&ccedil;&atilde;o de estilistas, o que resultou em uma s&eacute;rie de cursos com Marie Rucki, fundadora do Studio Ber&ccedil;ot. Gloria n&atilde;o deixou a chance passar e incorporou os conselhos para mapear um desejo abstrato, por meio de imagens e objetos: &ldquo;Uma verdadeira coleta de dados instintiva, emotiva e desordenada, de onde saem cores, mat&eacute;rias e formas que v&atilde;o dar origem a uma nova cole&ccedil;&atilde;o&rdquo;, como descreve Carlos Mauro no livro dedicado &agrave; estilista na cole&ccedil;&atilde;o Moda Brasileira, editado pela extinta Cosac Naify. &ldquo;Ela queria, acima de tudo, desenvolver seu processo de cria&ccedil;&atilde;o para encontrar uma identidade pr&oacute;pria&rdquo;, relata Mauro, que viu tudo de perto como professor selecionado para acompanhar a francesa. Com as aulas, vieram metodologia, capacidade de organizar viv&ecirc;ncias e contar as pr&oacute;prias hist&oacute;rias atrav&eacute;s das roupas.
Deu certo. Na d&eacute;cada seguinte, Gloria havia conseguido estruturar e fortalecer sua marca em territ&oacute;rio nacional, integrou o Grupo Paulista de Moda e transformou a G em Gloria Coelho. O amadurecimento desse processo foi o minimalismo futurista que virou assinatura da marca. Da consci&ecirc;ncia t&ecirc;xtil veio o desenvolvimento de tecidos exclusivos, como o TK, uma esp&eacute;cie de neoprene antibacteriano que est&aacute; entre seus best-sellers, e v&aacute;rias interven&ccedil;&otilde;es realizadas no ateli&ecirc;. Sapatos e bolsas tamb&eacute;m sempre estiveram em seu radar e, muito antes do termo collab virar modismo, ganharam vida atrav&eacute;s de parcerias com marcas especializadas. Em 1994, ela criou sua segunda marca, Carlota Joaquina, assinada por Carla Fincato &ndash; j&aacute; desativada &ndash;; em 2013, assinou a decora&ccedil;&atilde;o e os uniformes dos funcion&aacute;rios do hotel Best Western Plus Arpoador, no Rio de Janeiro.
Apesar do marco de funda&ccedil;&atilde;o, pode-se dizer que Gloria sempre carregou a voca&ccedil;&atilde;o para a moda. Uma de suas lembran&ccedil;as mais felizes da inf&acirc;ncia foi quando ganhou da m&atilde;e uma caixinha de costura. Tinha 6 anos e era aluna interna no austero col&eacute;gio Nossa Senhora da Piedade, em Ilh&eacute;us, na Bahia. Aos 13, vestia suas amigas de escola e, nos anos 1960, j&aacute; em S&atilde;o Paulo, criava seus primeiros tubinhos. Aos 19 anos, ela e duas amigas embarcaram na onda hippie e fizeram uma camiseta-fralda que acabou fazendo um imenso sucesso na avan&ccedil;ada Rua Augusta, tanto que depois de tr&ecirc;s meses cada uma tinha dinheiro suficiente para comprar um carro com o lucro obtido. Gloria preferiu embarcar para a Europa. Na volta, trouxe uma mala recheada de tecidos e continuou faturando com pe&ccedil;as que eram a cara da juventude &ldquo;paz e amor&rdquo;: bordadas com luas e estrelas cintilantes. Talvez elas sejam a ponte com o presente, parte de um caminho m&aacute;gico que Gloria nunca deixou de acreditar. Desde ent&atilde;o, a astrologia virou seu porto seguro e ingrediente indispens&aacute;vel de seu mundo imagin&aacute;rio que, no fim, se materializa em uma moda impec&aacute;vel.

Foto: Fernando Bentes / Gloria e Lilian Pacce unem olhares e percepções em cápsula criada a quatro mãos.

Amigas de longa data, &eacute; a primeira vez que as duas se unem em um processo criativo. De um lado, a mente fervilhante de Gloria Coelho; do outro, a postura p&eacute; no ch&atilde;o de Lilian Pacce. Dessa mistura de olhares e personalidades surgiu a cole&ccedil;&atilde;o-c&aacute;psula feita a quatro m&atilde;os que gira em torno do universo criativo da estilista, mas segue a filosofia de vida, pr&aacute;tica e atenta &agrave;s quest&otilde;es sustent&aacute;veis da jornalista, que tamb&eacute;m atua como curadora e consultora. Engajada em causas ambientais, sustent&aacute;veis e sociais &ndash; ela &eacute; pioneira na campanha em favor da troca das sacolas pl&aacute;sticas pelas ecobags &ndash;, Lilian conta que a principal motiva&ccedil;&atilde;o para aceitar o convite foi estruturar o trabalho dentro de uma abordagem positiva, com reaproveitamento de tecidos e pe&ccedil;as dispon&iacute;veis no estoque da marca ou uso de materiais de baixo impacto ambiental. &ldquo;A ideia foi criar uma c&aacute;psula para uma viagem, de trabalho ou turismo, com itens coorden&aacute;veis&rdquo;, explica ela. A proposta &eacute; ser concisa e fazer render, vis&atilde;o que vem aperfei&ccedil;oando desde junho de 2017, quando realizou a primeira edi&ccedil;&atilde;o do projeto #1LookPorUmaSemana. &ldquo;Foi uma grande mudan&ccedil;a na minha vida porque ele transformou inclusive a percep&ccedil;&atilde;o de conserva&ccedil;&atilde;o da roupa, pois a din&acirc;mica &lsquo;usou/lavou&rsquo; estraga mais r&aacute;pido a pe&ccedil;a e h&aacute; maior consumo de luz e &aacute;gua&rdquo;, avalia. Consciente de que n&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel mudar radicalmente de uma vez, aconselha a alterar pequenos h&aacute;bitos que, juntos, podem fazer a diferen&ccedil;a. &ldquo;Sinto que, cada vez mais, preciso de menos itens e melhores.&rdquo; &Eacute; essa percep&ccedil;&atilde;o que conecta a collab. Lilian olhou para seu closet, selecionou pe&ccedil;as criadas h&aacute; d&eacute;cadas por Gloria e que continua usando at&eacute; hoje; a estilista, por sua vez, fez sugest&otilde;es. Juntas, amarraram o processo criativo. S&atilde;o 14 modelos que incluem pe&ccedil;as como trench coat, cal&ccedil;a, camiseta e tric&ocirc; com gola avulsa. &ldquo;Tem uma blusa cropped, tamb&eacute;m, que fiz pensando na minha filha&rdquo;, diz a jornalista, acrescentando que sua fascina&ccedil;&atilde;o pelo talento da amiga vem de longe. &ldquo;Ela fez meu vestido de casamento em 1985&rdquo;, recorda, bem-humorada, e destaca: &ldquo;Quero pe&ccedil;as que durem mais 20 anos&rdquo;. O planeta agradece! (SH)&nbsp;

Gloria Coelho: além de sua superfície

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