Charlotte Gainsbourg concentrou esfor&ccedil;os em abrir a casa de seu ic&ocirc;nico pai, Serge, para o p&uacute;blico. Agora, &agrave; porta, ela d&aacute; as boas-vindas

A Casa Gainsbourg, a primeira institui&ccedil;&atilde;o cultural dedicada a Serge Gainsbourg, inclui sua legend&aacute;ria resid&ecirc;ncia na Rue de Verneuil, 5 bis, em <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/gastronomia/paris-em-10-enderecos-classicos-para-comer-que-nunca-saem-de-moda">Paris</a>, e, bem pr&oacute;ximo, no n&uacute;mero 14, um museu, livraria e caf&eacute;/piano-bar. Serge Gainsbourg (nascido Lucien Ginsburg) morou naquele im&oacute;vel a partir de 1969. Primeiro, com <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/cultura/jane-birkin-a-memoria-de-um-icone-de-estilo">Jane Birkin</a>, por quase dez anos, a quem ele conheceu no set de filmagens de Slogan, e depois com sua parceira Bambou. &Eacute; poss&iacute;vel ter alguns vislumbres da casa nas p&aacute;ginas de revistas, ent&atilde;o j&aacute; conhecemos as paredes internas &ndash; pretas &ndash;, o piano Steinway na sala de estar, os andares em preto e branco e as magn&iacute;ficas obras de arte. Entrar nesse ambiente &eacute; como entrar em um lugar sagrado.

Uma visita ao n&uacute;mero 5 bis da Rue de Verneuil n&atilde;o se faz na companhia de um guia, mas com a voz gentil de Charlotte Gainsbourg, por meio de um sistema de &aacute;udio. P&ocirc;r os fones nos ouvidos significa de fato parar no tempo. Assim que a porta se abre, a jornada come&ccedil;a: &ldquo;Venha, tenho as chaves, estou abrindo a porta para voc&ecirc;...&rdquo;. Parece que estamos l&aacute; sozinhos com ela. Charlotte partilha alguma de suas lembran&ccedil;as, como a de n&atilde;o ir ao cinema nem ao museu com seu pai, mas sim assistir aos melhores filmes americanos ent&atilde;o ainda n&atilde;o lan&ccedil;ados na Fran&ccedil;a, que ele comprava em VHS em uma loja na Champs-&Eacute;lys&eacute;es. Ou de descobrir obras liter&aacute;rias como as do grupo La Pl&eacute;iade na biblioteca pessoal dele. De tomar banho com sua m&atilde;e, Jane, que adorava formar uma enorme nuvem de talco para cobri-la. De ter pesadelos e mandar sua meia-irm&atilde; Kate Barry acordar a m&atilde;e, porque Charlotte tinha medo de incomodar os pais. De deixar seu pai acord&aacute;-la lentamente &agrave; tarde. De arrumar o interior da bolsa da m&atilde;e. De ver seus pais chegarem em casa vindos de um clube noturno enquanto ela estava indo para a escola. De policiais e motoristas de t&aacute;xi que eram convidados a entrar e tomar um drinque.

Desde a morte de Serge, em 1991, a casa permaneceu intacta, com suas janelas de guilhotina e o quintal de bambus. &Eacute; poss&iacute;vel observar cada pe&ccedil;a atr&aacute;s de um pilar negro. Descobrimos p&eacute;s-direitos baixos, salas estreitas e ambientes &agrave; meia-luz. A sala de estar fica escondida, logo atr&aacute;s da porta da frente. H&aacute; v&aacute;rios pianos, mas tamb&eacute;m uma mesa cheia de distintivos policiais (Serge adorava colecion&aacute;-los). Vemos um sof&aacute; e v&aacute;rias poltronas. Na mesa de centro, um telefone que era ultramoderno na &eacute;poca. Mas, acima de tudo, h&aacute; objetos, fotos &ndash; entre elas uma grande gravura de Brigitte Bardot (com quem ele foi ver a casa pela primeira vez) &ndash;, discos de ouro e quadros por toda parte. Do outro lado do corredor fica a cozinha, toda em madeira, com uma geladeira pequena e transparente, parecida com aquelas encontradas em restaurantes. Garrafas de vinhos excelentes, especialmente da casta High Brion, a preferida de Serge; um pequeno aparelho de TV; e uma porta embutida que, por um bom tempo, abria para o quarto em que Charlotte dormia quando crian&ccedil;a. O ch&atilde;o da casa &eacute; coberto por um carpete escuro estampado que passa por toda a escada e pelos dormit&oacute;rios. No andar de cima est&aacute; o quarto de Serge, que ele dividiu com Jane Birkin e depois com Bambou, e onde se encontra uma enorme tela muxarabi. No corredor, voc&ecirc; passa por um quarto de vestir minimalista; pendurados l&aacute; est&atilde;o uma jaqueta militar e um terno listrado. Acima deles, suas camisas de brim; abaixo est&atilde;o os famosos sapatos oxford Repetto Zizi brancos de Serge, que ele usava sem meias, mesmo no inverno. Ao fundo fica o banheiro, com uma banheira e vidros de perfume no balc&atilde;o. Em outra sala, ao lado, &eacute; onde Charlotte e Kate brincavam em uma pilha de roupas da m&atilde;e. Foi o &uacute;nico c&ocirc;modo que n&atilde;o p&ocirc;de ser restaurado. Quando Jane se mudou de l&aacute;, foi transformado em uma sala de bonecas antigas que, Charlotte confessa, a amedrontavam. Por fim, h&aacute; a escrivaninha da biblioteca e sua enorme cadeira inglesa de dentista, de couro marrom. Essa sala est&aacute; repleta de livros de anatomia, mas tamb&eacute;m de obras sobre pintura, que Gainsbourg estudou na Belas-Artes antes de se tornar um compositor-m&uacute;sico-performer-pintor-roteirista-diretor.

A casa &eacute; cheia de hist&oacute;rias, livros, objetos e mem&oacute;rias, mas, sobretudo, de emo&ccedil;&otilde;es. No dia em que Serge morreu, Charlotte o descobriu na cama, adormecido, uma perna para fora da cama, e ela se deitou ao lado dele. Ela se lembra de todos os f&atilde;s que vieram, gritando: &ldquo;Vim dizer que estou indo embora&rdquo; (uma alus&atilde;o &agrave; can&ccedil;&atilde;o hom&ocirc;nima de Serge). Hoje, Charlotte encara a casa assim: &ldquo;Para mim, virou um lugar de adora&ccedil;&atilde;o, de peregrina&ccedil;&atilde;o, de mem&oacute;ria. Eu viro a chave. Fecho a porta atr&aacute;s de mim. O tempo parou. Eu me permito uma viagem pela minha mem&oacute;ria. Os cheiros permanecem. Eu mantenho a lembran&ccedil;a viva. Em sil&ecirc;ncio&rdquo;.

&ldquo;PARA MIM, virou UM LUGAR DE adora&ccedil;&atilde;o, DE PEREGRINA&Ccedil;&Atilde;O, DE MEM&Oacute;RIA. EU viro A CHAVE. E ACHO A PORTA ATR&Aacute;S DE MIM. O tempo PAROU.&rdquo;

Um pouco adiante na Rue de Verneuil, no n&uacute;mero 14, fica o museu &ndash; um longo corredor com, de um lado, uma parede cheia de cartas, partituras, recortes de jornais e revistas, suvenires, roupas e, tamb&eacute;m, obras importantes, como a escultura de Claude Lalanne que aparece na capa do disco hom&ocirc;nimo de Serge L&rsquo;homme &agrave; t&ecirc;te de chou (&ldquo;O homem com cabe&ccedil;a de repolho&rdquo;); o manuscrito original da Marselhesa, de Rouget de Lisle; e a gravura La chasse aux papillons (&ldquo;A ca&ccedil;a &agrave;s borboletas&rdquo;), de Salvador Dal&iacute;. Do outro lado, v&iacute;deos narram per&iacute;odos-chave da vida de Serge &ndash; sua origem como filho de imigrantes judeus russos; sua inf&acirc;ncia em Paris; seus estudos de pintura; seus per&iacute;odos com Brigitte Bardot, Jane Birkin e Bambou; seus filhos; suas composi&ccedil;&otilde;es, como Le poin&ccedil;onneur des lilas e La javanaise; seus filmes, como Je t&rsquo;aime moi non plus (lan&ccedil;ado no Brasil como Paix&atilde;o selvagem), de 1976, com Jane Birkin e Joe D&rsquo;Alessandro, e Charlotte for Ever, de 1986; seus shows; seus programas de TV&hellip;

Quando termina o tour pelo museu, por meio de uma escada escondida que leva ao por&atilde;o, descobre-se um caf&eacute; e piano-bar, o Gainsbarre, que oferece um menu de almo&ccedil;o inspirado no servi&ccedil;o de quarto de hot&eacute;is e nas salas de ch&aacute; inglesas e um menu de coquet&eacute;is que inclui alguns dos drinques preferidos de Gainsbourg, como o Gibson, o Terrible e o famoso 102. O piano-bar lembra o in&iacute;cio da carreira do m&uacute;sico no Madame Arthur, no bairro parisiense de Pigalle; no Club de la For&ecirc;t, em Le Touquet; e no Milord l&rsquo;Arsouille, no Palais-Royal. A apresenta&ccedil;&atilde;o come&ccedil;a &agrave;s 20h, com tr&ecirc;s pianistas: Philippe Ours, Ciarri Winter e Florent Garcimore.&nbsp;
Para alguns, o tempo despendido na Casa Gainsbourg ser&aacute; de recorda&ccedil;&otilde;es; para outros, de descoberta. Mas uma coisa &eacute; certa: vai ser imposs&iacute;vel ficar indiferente.

Charlotte Gainsbourg dá as boas-vindas para casa de seu pai, Serge

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