Com quase 300 obras de artistas ao redor do mundo, mostra no Masp abre caminho para situar a arte produzida por ind&iacute;genas em lugar de destaque

Com quase 300 obras de artistas ao redor do mundo, mostra no <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/arte/baschiat-vai-ganhar-exposicao-no-masp">Masp</a> abre caminho para situar a arte produzida por <a href="https://www.revistalofficiel.com.br/hommes/uma-luta-todo-dia">ind&iacute;genas</a> em lugar de destaque. Confira!

O Masp est&aacute; de mudan&ccedil;a em 2023, para melhor. Enquanto o pr&eacute;dio &iacute;cone desenhado por Lina Bo Bardi segue no mesmo lugar, seus interiores passam a ser ocupados por perspectivas bem diferentes de arte &mdash; e de mundo.
Dia 20 de outubro marca a abertura de tr&ecirc;s novas exposi&ccedil;&otilde;es que finalizam a programa&ccedil;&atilde;o do ano, dedicada exclusivamente &agrave; produ&ccedil;&atilde;o de pessoas nativas. Melissa Cody, de origem din&eacute;/navajo, ganha individual com suas obras t&ecirc;xteis contem - por&acirc;neas que reveem s&iacute;mbolos da sua cultura, enquanto a sala de v&iacute;deo exibe Quando o manto fala e o que o manto diz, document&aacute;rio in&eacute;dito dirigido por Glic&eacute;ria Tupinamb&aacute; e Alexandre Mort&aacute;gua sobre a rela&ccedil;&atilde;o dela com a produ&ccedil;&atilde;o e a hist&oacute;ria dos mantos tupinamb&aacute;s.

Enquanto isso, outros dois andares s&atilde;o ocupados at&eacute; maio de 2024 pela coletiva Hist&oacute;rias ind&iacute;genas: um imenso esfor&ccedil;o coletivo que re&uacute;ne quase 300 obras de 170 artistas vindos de territ&oacute;rios diversos ao redor do mundo. Um momento hist&oacute;rico, ainda que tardio &mdash; n&atilde;o por culpa isolada do museu, mas do ecossistema social e art&iacute;stico como um todo, que sempre focou em uma vis&atilde;o eurocentrada (e branca) dos fazeres de arte enquanto classificava tais produ&ccedil;&otilde;es como mera antropologia.

Essa corre&ccedil;&atilde;o de olhares reflete muito de um interesse atual do mercado institucional e de galerias (a Bienal de S&atilde;o Paulo, aberta h&aacute; pouco, est&aacute; a&iacute; para refor&ccedil;ar) pela produ&ccedil;&atilde;o ind&iacute;gena. Mas &eacute; circunst&acirc;ncia que n&atilde;o veio de gra&ccedil;a, e sim por esfor&ccedil;o dos pr&oacute;prios. A mostra &eacute; cocurada por Edson Kayap&oacute;, K&aacute;ssia Borges Karaj&aacute; e Renata Tupinamb&aacute;, curadores-adjuntos de arte ind&iacute;gena do Masp, al&eacute;m de uma s&eacute;rie de nove curadores estrangeiros que ajudaram a pensar no conjunto.

Dividida em n&uacute;cleos, cada um faz um panorama espec&iacute;fico sobre povos que costuram um imagin&aacute;rio coletivo, ainda que &uacute;nico: do territ&oacute;rio brasileiro, falando sobre entendimentos de temporalidades, passando por nativos do canadense, mexicano, australiano, noruegu&ecirc;s, peruano e neozeland&ecirc;s, representado pela cultura maori e seu esfor&ccedil;o para perdurar uma cultura minada pela coloniza&ccedil;&atilde;o. A &uacute;ltima sess&atilde;o, conjunta, reflete sobre o ativismo incessante (e comum entre todos) pela defesa de seus territ&oacute;rios f&iacute;sicos e culturais. L'OFFICIEL conversou com Renata Tupinamb&aacute; sobre o processo.

L&rsquo;OFFICIEL Como voc&ecirc; enxerga esse fluxo recente de interesse pela arte ind&iacute;gena? 
RENATA TUPINAMB&Aacute; Os artistas, realizadores, comunicadores e curadores ind&iacute;genas t&ecirc;m feito um movimento intenso pelo reconhecimento das artes ind&iacute;genas. Esse movimento coletivo tem gerado a conquista de espa&ccedil;os que antes eram fechados para essas produ&ccedil;&otilde;es, ou que n&atilde;o eram reconhecidas como arte de grande import&acirc;ncia. As produ&ccedil;&otilde;es ind&iacute;genas sempre foram vistas como inferiores &mdash; a falta de entendimento, respeito sobre as culturas e muitas generaliza&ccedil;&otilde;es ainda ocorrem em v&aacute;rios lugares. O atraso pelo reconhecimento dos profissionais ind&iacute;genas v&ecirc;m por quest&otilde;es hist&oacute;ricas que fazem parte do processo colonial no Brasil: apenas em 1988, com a Constitui&ccedil;&atilde;o Brasileira, ind&iacute;genas passaram a ser vistos como cidad&atilde;os.

L&rsquo;O Qual foi o crit&eacute;rio para trazer tantas hist&oacute;rias e povos diferentes sem cair no que o olhar leigo pensaria como uma &ldquo;mostra etnogr&aacute;fica&rdquo;?
RT A ignor&acirc;ncia da vis&atilde;o apenas euroc&ecirc;ntrica sobre as artes limita muito todas as possibilidades e pluralidades existentes. Entender que a humanidade &eacute; plural, de muitos povos, &eacute; essencial para o exerc&iacute;cio da alteridade. Os crit&eacute;rios para escolha&nbsp;das artes passam por um entendimento de suas cosmologias, universos culturais e a pot&ecirc;ncia da mensagem que cada um traz mas, principalmente, as diferen&ccedil;as entre si, regionais e &eacute;tnicas. Estamos falando de algo muito al&eacute;m da arte para a maioria destes povos: estamos falando tamb&eacute;m de educa&ccedil;&atilde;o, sa&uacute;de, hist&oacute;rias e tantas outras coisas. A arte ind&iacute;gena contempor&acirc;nea contribui muito para a quebra de estere&oacute;tipos, de que est&aacute;&nbsp;apenas no passado ou por meio de pe&ccedil;as apenas tradicionais.

L&rsquo;O Como foi pensada a equipe que construiu a mostra? 
RT O time de curadores do Masp veio atrav&eacute;s da indica&ccedil;&atilde;o dos pr&oacute;prios artistas e curadores ind&iacute;genas. Poucas pessoas sabem que isso foi uma decis&atilde;o de uma coletividade, em di&aacute;logo tamb&eacute;m com a primeira curadora ind&iacute;gena [Sandra Benites]. Da&iacute; chegou-se aos nomes que, por esse di&aacute;logo, foram apresentados &agrave; dire&ccedil;&atilde;o do museu, que respeitou a decis&atilde;o. Inclusive a presen&ccedil;a dos tr&ecirc;s curadores, e n&atilde;o apenas um, veio dessa demanda coletiva.

L&rsquo;O Qual foi o ponto de partida do time curatorial para reunir perspectivas diferentes ao redor do globo, a partir de uma exist&ecirc;ncia em comum? 
RT Pensar os temas do nosso tempo t&atilde;o atemporal, e o que muitos artistas est&atilde;o querendo mostrar sobre suas artes, realidades e culturas. Um pouco do grito de cada recorte valorizando a diversidade em um di&aacute;logo com o passado, presente e futuro materializado no agora. Todas as pessoas que pertencem a um povo trazem consigo a continuidade de uma identidade coletiva, apesar das subjetividades de cada um. &Eacute; essa identidade, esse outro lugar de pensamento no mundo, que &eacute; t&atilde;o valioso. Esse compromisso passado de gera&ccedil;&atilde;o em gera&ccedil;&atilde;o. N&atilde;o existe nada mais revolucion&aacute;rio e moderno do que ser origin&aacute;rio. Eu vim de uma cultura milenar e que sobreviveu por s&eacute;culos, adequando-se aos contextos hist&oacute;ricos, por pertencer a uma cultura viva e n&atilde;o congelada.

L&rsquo;O Penso que a pr&oacute;pria classifica&ccedil;&atilde;o sobre o que &eacute; arte tem suas nuances, quando falamos sobre uma produ&ccedil;&atilde;o que aconteceu em paralelo &agrave; dita hist&oacute;ria da arte, comumente branca e europeia. Haveria um esfor&ccedil;o recente em encaixar essa produ&ccedil;&atilde;o nos moldes institucionais? 
RT O mercado de arte precisa sair das caixas estabelecidas, do padr&atilde;o, e as institui&ccedil;&otilde;es tamb&eacute;m precisam se adequar para que n&atilde;o sejam espa&ccedil;os excludentes e racistas, que atendam apenas a uma elite, reduzindo a arte a algo muito restrito, pouco abrangente, fruto de perspectivas aprisionadas n&atilde;o livres. Encaixar-se num formato n&atilde;o pode ser jamais o objetivo dos artistas ind&iacute;genas &mdash; muito pelo contr&aacute;rio, os espa&ccedil;os &eacute; que precisam aprender a respeitar os artistas.

&ldquo;TODAS AS PESSOAS QUE pertencem A UM POVO TRAZEM CONSIGO A continuidade DE UMA IDENTIDADE coletiva, APESAR DAS subjetividades DE CADA UM. &Eacute; ESSA identidade, ESSE OUTRO&nbsp; LUGAR DE pensamento NO MUNDO, QUE &Eacute; T&Atilde;O VALIOSO. "

L&rsquo;O H&aacute; fatores (est&eacute;ticos ou de pensamento) em comum no que foi produzido sob realidades t&atilde;o distintas que fa&ccedil;a poss&iacute;vel tra&ccedil;ar um fazer ind&iacute;gena de arte? Ou diria que esse &eacute; um pensamento que force essa produ&ccedil;&atilde;o a novamente ficar isolada em uma caixa pr&oacute;pria, apartada do todo? 
RT As artes ind&iacute;genas n&atilde;o est&atilde;o isoladas, embora a todo momento o mercado tente segregar por n&atilde;o conhecer de fato. &Eacute; importante o entendimento de que um artista que &eacute; ind&iacute;gena produz algo muito al&eacute;m, n&atilde;o cabe em r&oacute;tulos. Mas o p&uacute;blico precisa entender que aquele profissional vem de uma cultura que foi massacrada pela colonialidade, &eacute; nesse momento que as artes ind&iacute;genas se transformam tamb&eacute;m numa retomada e em uma mensagem de que existimos, estamos vivos e realizando. N&atilde;o queremos mais ser ref&eacute;ns ou objetos do colonizador.

Masp abre caminho para situar a arte produzida por indígenas

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